Dia: 30 de julho, 2017
A desconstrução do mérito: Foucault e a categorização dos indivíduos como um regime de poder
Desde o processo de socialização primária e diariamente em nosso cotidiano, estamos expostos à uma série de influências discursivas que impregnam a nossa maneira de observar os elementos que ao nosso redor se encontram e mesmo os meios pelos quais exercemos a capacidade de disposição do livre-arbítrio. Certamente algum tempo é necessário para que os sujeitos se apercebam de tais limitações instituídas ao pensamento e passem a refletir criticamente acerca do meio no qual se encontram inseridos. Essa “quebra de correntes” pressupõe primeiramente que aquele que está sob o jugo dessas externalidades capte as interações mais elementares que constituem os nossos relacionamentos em sociedade e os converta mentalmente em panoramas que possam ser dignos de questionamentos ou não, bem como tenha os espaços e as oportunidades para constituir um reflexão autônoma.
Logicamente, esse exercício do intelecto não é uma tarefa fácil e para grande parte dos sujeitos sequer aprazível ou mesmo disponível, tendo em vista que as possibilidades de constituição de olhares próprios no que diz respeito à realidade vem sendo cerceada sistemática e historicamente por uma série de razões “convenientes” que passam fundamentalmente pela manutenção do status quo da presente ordem sócio-econômica vigente. Diante disso, os regimes de poder (e aqui me valho de uma categoria foucaultiana) acabam passando desaperbecidos no momento em que estão sendo praticados. O modus operandi de classificação e categorização dos indivíduos, conhecido por todos nós pelo divino nome “meritocracia”, é um deles. Talvez seja essa uma das mais problemáticas formas de exercício do poder em nossa sociedade, a depender do ponto de vista do observador.
A justificativa da meritocracia em si passa pela ideia de que a organização social se dá da melhor maneira possível quando alguns são recompensados pelos seus esforços hercúleos enquanto outros são punidos por sua incompetência. A noção que está por trás desse argumento joga toda a conta do sucesso ou fracasso de um indivíduo apenas na chamada “responsabilidade individual”, algo que deita raízes em parte do pensamento liberal clássico que chegou, em meados do século XIX e por meio de alguns teóricos, a atribuir a pobreza de ampla gama de pessoas a uma mera questão de dedicação ou talento. Uma das incoerências que aí reside tem a ver com a ignorância acerca dos contextos micro e macro onde os sujeitos se fazem presentes, pois os locais nos quais cada um está inserido pode apresentar limitações ou aberturas de ordem gigantesca, que facilitam ou não a aquisição de diversos tipos de capitais.
Outro ponto frágil dessa crença ideológica é a conclusão “lógica” de que a escolha adequada de meios de auferição do conhecimento e de outros tipos de capacidade dos sujeitos resultarão em uma distribuição mais justa dos bens materiais e imateriais em uma dada sociedade. Uma análise superficial é suficiente para constatar que na verdade os mecanismos avaliatórios disponíveis nada mais são do que perpetuadores das desigualdades que vem de berço (para utilizar a expressão popular), já que àqueles aos quais foi concedido um treinamento específico e de razoável ou grande qualidade, algo que exige capital econômico considerável principalmente quando se trata de sociedades que não dispõem de equipamentos públicos de porte, se faz mais realista um horizonte que contenha como resultante a conquista de “prêmios” pelos seus esforços, no fundo uma resultante das condições estabelecidas.
É evidente que exceções a esse quadro podem vir à tona, mas ao invés de fatos corriqueiros de escape ao poder, elas devem ser pensadas muito mais como pautas fetichistas para a imprensa, que trata de expô-las em matérias que celebram esforços muitas vezes anormais e que nada mais são do que o retrato de uma pirâmide social repleta de abismos e mazelas. Não se trata aqui de enxergar como ideal um mundo no qual há a desvalorização da qualidade de trabalhos bem-feitos ou o desestímulo para que os sujeitos exerçam aquilo para o qual estão melhor vocacionados, até mesmo porque ir nessa direção seria de um simplismo aterrador.
O ponto do qual não se pode escapar é a necessidade de desvelar todas as contradições de um discurso que move paixões em nossa sociedade, enxergando o mérito não como um “dom” concedido divinamente ou uma simples questão de esforço mas como um atributo construído gradualmente e observando atentamente para a meritocracia (regime de exponencialização do mérito) enquanto maneira de eternizar a distribuição dispare dos recursos existentes. Esse regime de poder em exercício, assim como outros, é uma ficção reguladora a ser enfrentada, pois não possui necessariamente um criador ou dono identificável e intencionado, já que o poder, como o próprio Foucault menciona na sua obra, não emana de alguma fonte. Dando alguns passos para pensar nesse sentido, quem sabe novas formas de concessão, mais niveladoras, não possam ser construídas, ainda que no plano das ideias.
Referências bibliográficas:
Michel Foucault, 1926 – 1984. Microfísica do Poder/Michel Foucault; organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machad. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
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*Fonte/texto: genialmentelouco
A madrugada pertence aos apaixonados, aos sonhadores e aos leitores:
Na madrugada nossos pensamentos voam como telegramas em busca de destinatários. Nessa linha mágica entre a noite e o dia onde habitam os leitores inveterados, os sonhadores melancólicos, as mentes criativas e esses amantes que, entre carícias e confidências, se despem das suas roupas e das suas emoções…
A madrugada, como podemos ver, não é apenas o território daqueles que tem insônia ou dos sonâmbulos. Na verdade, é um cenário especialmente evocador para o cérebro. É quando nos sentimos livres de estímulos exteriores para nos conectarmos com espaços muito mais íntimos, livres e criativos. De fato, até a bioquímica cerebral se vê encorajada por outros mecanismos muito diferentes dos que nos regem ao longo do dia.
“Os capítulos da madrugada derivam do seu rascunho ao nascer do dia.” -Gonzalo Santoja-
Sabemos que o ser humano rege seus ciclos biológicos através do ritmo circadiano. Somos sincronizados por essa pequena e fascinante estrutura chamada glândula pineal que, ao ser estimulada pela luz ou inibida pela escuridão, propicia a produção de melatonina para orquestrar nossos ciclos de sono e de vigília. A sua participação na entrada e a permanência nestes estados é bastante conhecida; contudo, também abre a porta a outros processos igualmente interessantes, mas menos conhecidos que o de vigília-sono.
Muitas são as pessoas que chegam na cama cansadas, mas em vez de dormir, em vez de se renderem ao prazeroso refúgio do travesseiro, sentem que suas mentes se ativam e se sintonizam. Como radares esperando captar sinais das estrelas. É um momento onde a leitura cai bem, porque se torna mais vívida, porque entre esse mar de letras e a mente existe uma artéria invisível que bombeia com mais força. A mesma coisa acontece com a criatividade ou mesmo com o amor.
Porque nessas horas em que a cidade se apaga, as emoções se acendem com mais intensidade.
Os horários atuais: inibidores da criatividade e da felicidade
As pessoas são criaturas cativas da afiada agulha do ponteiro. Vivemos constantemente atentos aos relógios que regem nossos tempos de trabalho, alimentação e ócio. Mas esses horários aceitos em nossa sociedade nem sempre atendem às nossas necessidades. Os turnos de trabalho rotativos ou as longas jornadas profissionais que impossibilitam a conciliação familiar são inimigos assumidos que impedem parte da nossa felicidade.
“A noite é a metade da vida, e a melhor metade.”-Goethe-
Neurocientistas como Paul Kelly, pesquisador do Instituto do Sono e Neurociência Circadiana da Universidade de Oxford, explicam que tanto o mundo profissional quanto o educacional pouco consideram os ritmos circadianos. Segundo ele, todos estes efeitos estão fazendo com que nos transformemos em “uma sociedade cansada”. Entrar cedo no trabalho ou na escola e nos submetermos a extensas jornadas profissionais saindo de madrugada e chegando em casa de noite é uma coisa desanimadora em todos os sentidos.
Vivemos uma modernidade onde se valoriza mais “estar presente” do que a eficácia. Estar fisicamente no posto de trabalho ou na carteira de escola não significa que a pessoa possa dar naquele momento o melhor de si mesma. O cansaço acumulado e o estresse destes horários pouco justos cerceiam por completo o potencial dos nossos próprios cérebros. Pouco a pouco ficamos abstraídos em uma utopia emocional até cair em uma triste letargia de infelicidade.
A madrugada, o lar dos sonhadores
Dizem que a madrugada é o lar dos sonhadores, esse momento em que as estrelas cochicham entre si e onde alguns têm o dom de poder ouvi-las. Incrustados como estamos nesses horários titânicos e pouco conciliadores que acabamos de descrever, mal temos tempo para esses momentos. Contudo, é comum que chegado o final de semana o cérebro nos demande um canto próprio, algumas horas a mais para se libertar.
O processo através do qual consegue fazer isto é simplesmente fascinante.
De noite o cérebro funciona em outro ritmo
O córtex cerebral é a área onde se concentram uma série de zonas responsáveis por tarefas como a atenção, planejamento, a memória de trabalho ou as recompensas.
É uma área muito ativa durante o dia graças a uma contribuição regular de dopamina. Contudo, quando a escuridão acaricia a glândula pineal, essa contribuição diminui e convida ao recolhimento.
O córtex cerebral, por dizer assim, se desliga ou entra em estado de “stand by” porque já não há tantos estímulos externos para processar, para administrar ou enfrentar.
A noite, assim como a madrugada, são momentos de sutil satisfação para um cérebro que deseja focar em outras áreas. É então que se abrem os limiares desses cantos fascinantes como é o caso da imaginação, da emoção, da introspecção ou da reflexão.
É o momento de outro tipo de energia
Com certeza você já experimentou isto mais de uma vez. Ir para a cama com algum problema, falta de ideias ou preocupado e, de repente, acordar ao amanhecer com a mente clara como a superfície de um espelho.
As respostas começam a chegar. A inspiração floresce, as emoções se afinam, nossa própria capacidade de sentir, conectar ideias ou visualizar imagens enquanto estamos abstraídos na leitura se intensifica ainda mais.
Não é magia ou alguma capacidade sobrenatural. É o motor da neuroquímica que vê na noite o instante perfeito para focar toda a sua energia e recursos no próprio cérebro.
A mente se esvazia e os pensamentos fluem em outro ritmo, existe uma maior conexão e a pessoa sente mais prazer com certas atividades que, durante o dia, nem sempre são possíveis.
Contudo, fica evidente que por causa dos nossos horários nem sempre podemos desfrutar desses instantes que muitas vezes nos tiram o sono. Contudo, nunca é demais se deleitar com esse recolhimento sutil e favorecedor que as noites e as madrugadas nos oferecem, momentos onde apenas a Lua ou o tímido Sol – ao amanhecer – são testemunhas dos nossos humildes prazeres: sonhar, ler, amar…
Texto Por Valeria Amado
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*Fonte: osegredo