Dia: 30 de setembro, 2019
Hiperpoliglotas: como funciona a cabeça de quem fala dezenas de idiomas
Ler Dostoiévski em português é para os fracos. Carlos Freire queria devorar Crime e Castigo e outros clássicos russos no original. Aos 20 anos, ele mergulhou nos livros e se mudou para a casa de uma família russa em Porto Alegre. Em poucos meses, dispensou os tradutores. E não era seu primeiro idioma estrangeiro. Logo cedo, a proximidade com o Uruguai o deixou afiado no espanhol. Depois, aprendeu francês, latim e inglês. O caminho da faculdade era claro: Letras.
“Quanto mais idiomas você sabe, mais fácil aprender outros. Os 10 primeiros são os mais difíceis”, diz. Sim, 10. Aos 80 anos, Freire já estudou 135 línguas – de japonês a esperanto. É mais do que o padre italiano Giuseppe Mezzofanti, que ficou notório no século 18 por ouvir confissões na língua nativa dos estrangeiros. Especula-se que ele falava entre 61 e 72 idiomas e lia em 114.
Os dois integram um seleto time de pessoas que conseguem aprender dezenas de idiomas. Não são só poliglotas. Quem é fluente em mais de 6 línguas tem um título maior: hiperpoliglota. O termo foi definido em 2003 pelo linguista britânico Richard Hudson.
Ao estudar comunidades poliglotas, ele descobriu que o número máximo de idiomas falados em comum por todos os moradores é 6. Ainda não se sabe o motivo exato de serem 6 línguas. O que se sabe é que os hiperpoliglotas são diferentes de bilíngues ou meros falantes de 3 ou 4 línguas. E que os limites do cérebro deles podem ajudar a ciência a buscar os limites do nosso cérebro.
Idade é tudo
Mezzofanti entrou na escola aos 4 anos, onde aprendeu 3 idiomas. Aprender línguas na infância faz toda a diferença. Após a puberdade, os hormônios dificultam a reprodução de um sotaque mais autêntico. Se você aprende francês após os 14 anos, por mais que estude, provavelmente vai soar como um “brasileiro fluente em francês” – mas não como um francês.
Vários estudos comprovaram essa tese. Um deles selecionou 46 adultos chineses e coreanos que moraram nos Estados Unidos em diferentes fases da vida. Os que chegaram ao país até os 7 anos tiveram resultados semelhantes aos de nativos. Quem chegou aos EUA com mais de 15 anos teve desempenho pior.
Isso ocorre porque, com o tempo, o cérebro parece endurecer. Conforme crescemos, ele forma estruturas neurais confiáveis para orientar as ações que tomamos. É uma base de conhecimento que guia as experiências e responde às situações do dia a dia. À medida que mais estruturas neurais se formam, o cérebro perde flexibilidade. E ela é importante para aprender coisas complexas, como falar uma língua.
Pesquisadores acreditam que os hiperpoliglotas conseguem prolongar essa plasticidade. “Eles são como um experimento natural sobre os limites humanos”, diz Michael Erard, linguista e autor do livro recém-lançado Babel no More (inédito em português). Não é de se estranhar, portanto, que ainda hoje Freire mantenha o ritmo de aprender de dois a 3 idiomas por ano.
Falar pode parecer um ato simples, mas exige várias tarefas do cérebro: percepção auditiva, controle motor, memória semântica, sequenciamento de palavras. Para assimilar um novo idioma, o cérebro precisa entender as estruturas do som e das palavras. E, até chegar a isso, o aprendizado percorre um longo caminho pelos hemisférios esquerdo e direito do cérebro (veja mais na pág. 31).
Com vários pontos de parada, não é difícil perceber a complexidade disso tudo. E cada coisa nova que se aprende (como tocar um instrumento musical) não percorre exatamente o mesmo caminho. Já se sabe que aprendemos melhor uma língua na infância. Mas essa vantagem da juventude não se estende, necessariamente, a todos os outros aprendizados da vida. Ser um gênio no piano porque começou a tocar aos 5 anos pode não ter nada a ver com plasticidade.
“Não importa a idade, dizem que você precisa de 10 mil horas para tocar bem um instrumento. Ou seja, tocar melhor porque aprendeu aos 5 anos pode ser apenas uma vantagem incidental, porque teve mais tempo para estudar”, diz Diogo Almeida, professor de psicologia da Universidade de Nova York e especialista em linguística. Ou seja, por mais que hiperpoliglotas consigam adiar o enrijecimento do cérebro, a maior contribuição deles para a ciência é outra – e um tanto mais óbvia: acúmulo de conhecimento. Memória.
Aprender dezenas de línguas não é o mesmo que ser fluente em várias ao mesmo tempo. O americano Gregg Cox, citado no Guinness Book como “o maior linguista vivo” (64 línguas e 11 dialetos) conseguia se comunicar em apenas 7 idiomas ao mesmo tempo. Freire encarou um desafio maior em Moscou. Durante uma reunião com estrangeiros, teve de falar em 10 idiomas diferentes. E conseguiu. Michael Erard realizou uma pesquisa com 172 hiperpoliglotas e constatou que a maioria pode manter de 5 a 9 línguas ativas na memória.
As outras ficam guardadas em outra área, a memória de longo prazo, como se fossem arquivos comprimidos no computador. O conhecimento está lá, mas não pode ser acionado instantaneamente. Leva um tempo para reabri-los. Freire, por exemplo, explica que, para relembrar um idioma, ele precisa de uma semana de estudo.
“É possível ativar mais línguas, mas exigiria um tremendo esforço”, diz Erard. “Além do mais, essas pessoas têm outras coisas para fazer”. Quem volta do exterior falando outra língua em vez de português já passou por algo semelhante. Há uma reprogramação no cérebro. Agora imagine conversar em 10 idiomas ao mesmo tempo. Pois é.
Caixa elástica
Quando Freire saiu de um diálogo em russo para conversar em alemão, seu córtex pré-frontal mudou a chave da linguagem. Essa área do cérebro conta com a ajuda da memória ativa. A quantidade de línguas que um hiperpoliglota controla ao mesmo tempo dá uma dimensão do espaço da memória ativa. E, apesar de treino, expandir essa caixa não parece muito possível. Informações novas chegam, velhas vão para a memória de longo prazo. Ou somem.
Se por um lado a memória ativa guarda relativamente pouca coisa, a memória de longo prazo tem um espaço maior. E mais flexível. Na pesquisa de Erard, os entrevistados conseguiam, em média, aprender 30 idiomas. Perto das façanhas de Freire, Cox e Mezzofanti, parece pouco. Mas é aí que outros pontos entram em cena.
O primeiro é a genética. Segundo cientistas da Universidade de Münster, na Alemanha, a habilidade em aprender idiomas envolve diferenças genéticas nos neurotransmissores do hipocampo, a área que transforma informações temporárias em permanentes. As filhas de Freire, por exemplo, falam mais de 3 línguas. Têm facilidade, mas nunca quiseram aprender mais. E motivação é fundamental.
Freire aprendeu novas línguas porque queria ler os clássicos sem encarar tradutores. Mezzofanti usava a facilidade com idiomas dentro da religião – diz a lenda que ele, uma vez, aprendeu um novo idioma, em menos de um mês, apenas para ouvir a última confissão de um homem condenado à morte. A genética ajuda, mas o fator determinante é outro: a velha e batida vontade de aprender.
O jornalista americano Joshua Foer comprovou isso. Ele foi desafiado a fazer um treinamento intensivo para participar de um campeonato de memorização nos EUA. Foer era péssimo para lembrar coisas simples (onde deixou as chaves, por exemplo). Topou o desafio e, um ano depois, ganhou o campeonato. Basicamente, ele aprendeu a organizar as informações no cérebro e a traçar caminhos para encontrá-las.
Freire faz o mesmo. Há 50 anos, ele dedica pelo menos 3 horas diárias de estudo, com uma meta em mente: aprender 3 idiomas por ano. Essas pessoas mostram que é possível expandir a capacidade de guardar informações na caixinha de longo prazo, sem precisar de um QI acima da média. Se a memória ativa mostra um limite pouco mutável, a memória de longo prazo parece aumentar de acordo com a vontade de cada um. Mas, afinal, qual a vantagem em guardar tanta coisa?
Memória para quê?
Freire lê romances no original e ganha dinheiro com tradução e aulas. A neurocientista Ellen Bialystock, da Universidade de York, no Canadá, afirma que pessoas que falam mais línguas apresentam maior capacidade de concentração e se tornam mais distantes do Mal de Alzheimer. Ela estudou casos de 211 pacientes e concluiu que os bilíngues adiaram os sintomas da doença em até 5 anos, quando comparados a um monolíngue. Eles mantêm o cérebro ativo.
Mas com a internet no bolso e várias maneiras tecnológicas de guardar e acessar informação, qual é a utilidade prática da memorização? Precisamos decorar menos informações. E a nossa cabeça já está mudando. Estudos indicam que o Google modificou a memória das pessoas: deixamos de decorar quando sabemos que há uma fonte externa de armazenamento de informação. Pare e pense: quantos números de telefone você sabe de cor? Provavelmente bem menos do que sabia antes da popularização das agendas nos celulares.
“Tornamo-nos dependentes dela [dessa fonte externa] no mesmo nível que somos dependentes de todo o conhecimento que recebemos dos amigos. Aí, perder a conexão parece perder um amigo”, diz o estudo. Ficamos apegados ao fato de que a tecnologia aumenta exponencialmente o acesso a informação e conhecimento. A internet parece cuidar cada vez mais disso. Expandir a memória é difícil, mas possível. O desafio maior é querer.
*Por Carol Castro
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*Fonte: superinteressante
Oceanos ficarão mais quentes e ácidos com aquecimento global, aponta ONU
Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas divulgado nesta quarta-feira (25) traz dados preocupantes sobre como as mudanças climáticas vão afetar oceanos e a criosfera, área terrestre coberta por gelo.
Mais de 100 autores de 36 países avaliaram cerca de 7 mil publicações científicas para criar o relatório. Divulgado dois dias após o fim da Cúpula Climática da ONU, que aconteceu em Nova York entre os dias 21 e 23 de setembro, e os protestos globais pelo clima, os organizadores do documento querem reforçar a necessidade de atitudes mais radicais dos governos em torno das emissões de carbono.
“Se reduzirmos as emissões bruscamente, as consequências para as pessoas e seus meios de subsistência ainda serão desafiadoras, mas, potencialmente, mais gerenciáveis para os mais vulneráveis”, disse Hoesung Lee, membro do IPCC, em comunicado. “Aumentaremos nossa capacidade de criar resiliência e, assim, haveá mais benefícios para o desenvolvimento sustentável.”
O nível do mar
Uma das informações que mais chama atenção diz respeito ao aumento do nível do mar, que subiu 15 centímetros no século 20 – o que tem acontecido cada vez mais rápido nos últimos anos.
De acordo com o relatório, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas e o aquecimento global seja limitado a, no máximo, 2 °C, o nível das águas aumentará entre 30 e 60 centímetros até 2100. Se nada for feito para conter o aquecimento global, esse crescimento pode chegar a 110 centímetros.
A elevação do nível do mar impactará diretamente fenômenos naturais que têm relação com os oceanos, como marés altas, tempestades e ciclones tropicais. Um exemplo disso é o furacão Dorian, que atingiu as Bahamas e os Estados Unidos no início de setembro e, segundo os especialistas, foi particularmente forte por conta das mudanças climáticas.
Cada vez mais, esses eventos colocarão em risco pessoas ao redor do planeta, principalmente quem vive em cidades costeiras e pequenas ilhas. Michael Meredith, da British Antarctic Survey, disse à NewScientist que mesmo os países desenvolvidos sofrerão com o aumento do nível das águas e terão de reforçar a defesa costeira.
Os ecossistemas
O relatório do IPCC também aponta que os oceanos absorveram mais de 90% do excesso de calor causado pelas mudanças climáticas. Isso significa que, mesmo que as emissões de carbono diminuam, até 2100 os mares absorverão de duas a quatro vezes mais calor do que entre 1970 e a atualidade. Entretanto, se o aquecimento global ultrapassar os 2 °C, essa quantidade pode ser até sete vezes maior.
O aumento da absroção de carbono pelas águas afeta diretamente a fauna e a flora dos biomas aquáticos, pois altera não apenas sua temperatura, mas também a acidificação da água e os níveis de oxigênio e nutrientes essenciais para a manutenção de um ecossistema equilibrado.
Isso também é prejudicial para os seres humanos, já que a dieta de diversas populações é baseada na pesca. “O corte das emissões de gases de efeito estufa limitará os impactos nos ecossistemas oceânicos, que nos fornecem alimentos, apoiam nossa saúde e moldam nossas culturas”, explicou Hans-Otto Pörtner, que fez parte da pesquisa.
O permafrost
O solo de permafrost, no Ártico, também está sofrendo com o aumento da temperatura da Terra. Congelado por muitos anos, essa camada de gelo está derretendo em um ritmo preocupante — até o fim do século 21, estima-se que ele deixará de existir.
Os pesquisadores estimam que, mesmo que o aquecimento global seja limitado a menos de 2 °C, cerca de 25% do permafrost próximo à superfície (3 a 4 metros de profundidade) derreterá até 2100. Entretanto, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando, até 70% dessa camada de gelo poderá ser perdida durante o período.
Como explicaram os membros do IPCC, o permafrost ártico e boreal é importante porque retém grandes quantidades de carbono orgânico. Logo, seu derretimento pode resultar em um aumento significativo de gases poluidores lançados na atmosfera.
É preciso agir agora
A conclusão dos especialistas após a publicação do novo documento não foi surpresa para ninguém: é preciso agir agora. “Só conseguiremos manter o aquecimento global bem abaixo de 2 °C (…) se efetuarmos transições sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”, apontou Debra Roberts, uma das especialistas.
“Quanto mais decisiva e rapidamente agirmos, mais capazes seremos de enfrentar mudanças inevitáveis, gerenciar riscos, melhorar nossas vidas e alcançar sustentabilidade para ecossistemas e pessoas ao redor do mundo — hoje e no futuro”, disse Roberts.

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*Fonte: revistagalileu