Cada dia que passa, aumenta a convicção que na sociedade atual, por mais que as pessoas tenham tendência a aflorar sentimentos positivos frente às diversas situações, o sistema capitaliza toda e qualquer expressão de boa vontade.
Somos bombardeados diariamente com a promoção da catástrofe frente a uma relativização das boas ações. Você não gosta o suficiente se não é capaz de dar um bom (caro) presente; você não é um bom cidadão consumindo menos que a maioria; seu carro (considerando que precise de um) pode estar perfeito, com a mecânica em dia, funilaria boa, ou seja: em perfeitas condições. Ainda assim teimam em lhe empurrar que depois de três anos o mesmo já está ultrapassado. Até mesmo os “vintage” estão superestimados, tudo vale mais do que a grande maioria da população mundial pode pagar.
Cabe aqui um aparte do provável surgimento da inflação nos preços de praticamente todos os produtos.
Por que uma pintura custa milhões? Porque determinados serviços que poderiam ser de baixo custo são elevados a preços altíssimos? A resposta pode ser mais simples do que parece. Deve-se ao fato de a sociedade capitalista perceber que por mais que as elites acumulassem fortunas, isso ainda não os tornava tão diferentes da massa pobre. Precisavam de um diferencial. Necessitavam ter onde e como gastar as fortunas acumuladas com base na exploração dos menos favorecidos.
Milionários, bilionários, precisam estampar as revistas e os jornais com suas mais novas aquisições. Pode ser uma obra de um pintor famoso, um carro exclusivo ou uma grande propriedade.
Não estou questionando a genialidade de pintores, mas duvido muito que quando eles fizeram suas obras era com o intuito de serem vendidas a preços exorbitantes. Ainda mais em uma sociedade que tanta gente morre de fome (leia-se falta de nutrientes, tendo em vista que milhões de pessoas no mundo são obrigadas a sobreviverem com uma dieta de um ou dois alimentos somente). Também não estou questionando o trabalho de engenheiros e designers de carros de luxo. Ao menos não estou questionando suas capacidades. A questão é: por que desenvolver carros caríssimos que só servirão a uma mínima parcela da sociedade?
O resultado disso tudo é que para a elite exploradora manter seu nível vida, fazem com que os lucros de seus investimentos sejam sempre maiores, estourando a conta de quem nem consegue pagar suas contas e se alimentar bem. Aumenta-se o lucro proporcionalmente à diminuição da qualidade de vida.
Finalmente chegamos ao ponto em questão: a capitalização dos sentimentos. Não satisfeitos com a exploração, com a fome e com a baixa qualidade de vida da grande maioria das pessoas, agora atacam no subconsciente. A maioria das pessoas acha louvável quando um milionário doa 0,0001% do que tem (só doa quando é publicado nas mídias: televisão, jornal, revistas etc.), mas quando um vizinho procura desenvolver ações em prol de uma melhora na qualidade de vida de pessoas próximas, diz que não fez mais que a obrigação. Ou quem sabe questiona se o mesmo pediu “autorização” para tal benfeitoria.
Defende com unhas e dentes quem os explora, enquanto elege culpados entre os iguais. Reclama de ações assistencialistas que não comprometem a economia, ao mesmo tempo em que não sabe que instituições financeiras ficam com um terço do PIB de países latino-americanos. E ainda tem os que sabem destes fatos, mas solenemente ignoram. Apesar de todos esses elementos ainda acredito que após décadas manipulação é complicadíssimo ao menos favorecido compreender esta situação.
Deveríamos destinar um momento de reflexão em nossas vidas, para que, portanto, sejamos capazes de compreender mais elementos dentre os que compõem nossa sociedade. Mesmo que ainda seja pouco, já é um pequeno passo em prol de uma melhora. Diariamente poderíamos refletir acerca das situações que influenciam diretamente em nossas vidas e de nossos semelhantes. Talvez quando formos capazes de reconhecer nossos próprios erros, poderemos então (con)viver em uma sociedade mais justa.
*Por Leonardo Onofre
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*Fonte: obviousmag