Dia: 13 de junho, 2021
A Felicidade não é intuitiva
Para ser feliz precisamos aprender a contrariar a nossa natureza.
Uma das vantagens de ter crescido em Belo Horizonte, é que eu não precisava ir muito longe para achar uma trilha. Na adolescência, esse era um dos programas favoritos da minha turma de amigas. Com menos de 30 minutos de caminhada, chegávamos a um mirante maravilhoso, escolhíamos uma pedra para sentar, e os assuntos rendiam a tarde inteira. Em uma dessas ocasiões, eu estava andando entre as pedras quando uma cobra passou bem na minha frente. É curioso como o corpo reage nessas horas. As minhas pernas e braços congelaram e os segundos viraram horas, como se o mundo passasse em câmera lenta.
O que me marcou sobre essa história é que eu só percebi que uma cobra havia passado depois que tudo estava bem. Informações de perigo são processadas de forma tão rápida pelo nosso cérebro que primeiro reagimos e depois entendemos o porquê. Neste caso, o pânico fez com que eu ficasse imóvel e passasse despercebida. Para ameaças do tipo cobra, o pânico é adaptativo. Mas quando o que te assusta é uma apresentação no trabalho, a coisa não é bem assim. É que, infelizmente, o sistema que lida com diferentes medos é o mesmo. E nosso cérebro foi programado para lidar com problemas antigos demais.
É deste cérebro que depende a nossa felicidade. Um cérebro recheado de mecanismos automáticos, programados há milhares de anos para garantir a nossa sobrevivência. E garantir significa que essas programações não pedem nossa permissão para acontecer. Por isso, ser feliz não é uma tarefa simples. Temos uma série de vieses automáticos inscritos no nosso DNA que não contribuem para o nosso bem-estar. Para sermos felizes, precisamos contornar esses vieses, e para isso, é necessário conhecê-los em primeiro lugar.
Não damos valor para o que temos
Uma programação evolutiva que atrapalha a felicidade é a tendência à adaptação. Logo que perdemos ou ganhamos, ficamos felizes ou deprimidos. Depois, acostumamo-nos. É assim também com os estímulos neurais, neurônios deixam de responder a estímulos constantes. Se o objetivo é sobreviver, faz sentido que sejamos mais sensíveis às mudanças do que aquilo que já temos. É o desejo da conquista que nos põe em marcha. E para não desistirmos de lutar, a antecipação do prazer se fez maior do que o prazer da conquista de fato.
Quem já testemunhou o desejo da criança por um novo brinquedo, sabe que erramos grosseiramente quando estimamos a felicidade que a próxima conquista é capaz de nos dar. As pesquisas demonstram que o dinheiro, por exemplo, contribui para a felicidade até conseguirmos dar conta das nossas necessidades básicas. Para além delas, a corrida é em vão. A promoção, ou um novo relacionamento, tendem a nos encantar por antecipação, mas à medida que nos acostumamos com o novo patamar, os benefícios se tornam nossos por direito, parte do que é normal e esperado. Então, passamos a desejar algo que ainda não temos, esquecendo de aproveitar o que já está bom, hoje. E segundo a ciência, é no tempo presente que a felicidade está. Mas somos programados para acreditar que a felicidade está onde ainda não chegamos.
Queremos impressionar
Robert Frank explica que uma das razões por que corremos tanto é porque usamos o consumo e a conquista para ganhar status e relevância social. As pessoas querem o último IPhone não porque ele seja mais útil do que o modelo anterior, mas pelo que as pessoas pensam sobre quem já conquistou o último lançamento. Queremos sentir que somos especiais. E se o valor está na exclusividade, cada pessoa que consegue comprar o objeto do desejo desvaloriza a conquista dos demais. Então passamos a querer o que é ainda mais difícil para o outro, mas que também é difícil demais para nós. Um corpo mais jovem do que a própria idade, uma conta bancária com saldo maior do que podemos gastar, um cargo que demanda mais tempo do que você tem.
Achamos que estamos perseguindo a felicidade quando na verdade a nossa busca é por status, outra de nossas heranças evolutivas. Pessoas com status conseguiram mais favores, seguidores, recursos e vantagens no jogo da sobrevivência. Por isso, desenvolvemos mecanismos cerebrais automáticos que avaliam nossa posição social e a opinião do outro a nosso respeito, inconscientemente, inclusive. O pesquisador Erzo Luttmer descobriu que, entre pessoas que tinham o mesmo salário, as que moravam em bairros mais ricos se consideravam menos felizes do que as que moravam em bairros modestos. É que as pessoas se sentem piores quando ganham menos que seus pares. Tanto que em outra pesquisa, voluntários preferiram a hipótese de ganhar 90 mil por ano em uma empresa onde os colegas ganhariam 70 mil, do que ganhar 100 mil por ano se isso significasse que os colegas ganhariam 150 mil. O desejo por status, e não por felicidade, governa nossos comportamentos. Como resultado, encontramos estresse, ansiedade e burnout.
O negativo pesa mais que o positivo
Para o pesquisador Roy Baumeister, se você deseja ser feliz, precisa encarar uma terceira herança evolutiva. Para o seu cérebro, o negativo pesa mais que o positivo. Viés negativo é a tendência universal humana de sermos mais afetados pelo que é ruim do que pelo que é bom. Por exemplo, sofremos mais quando perdemos 100 reais, do que ficamos felizes quando achamos a mesma quantia. Preferimos um desconto de 50% na compra de dois produtos do que comprar um produto e ganhar o segundo grátis. Na prática, a matemática é a mesma, a diferença é que você interpreta o desconto como uma oportunidade de perder menos e o produto grátis, como oportunidade para ganhar mais. E quando temos escolha, preferimos não perder do que ganhar.
Isso acontece porque quando o foco é sobrevivência, é melhor priorizar o negativo do que o positivo. Ao longo da nossa evolução, poderíamos perder uma oportunidade de alimentação, mas se a cobra passasse despercebida, este poderia ser o nosso último erro. A questão é que nossa atenção é limitada, não conseguimos processar tudo o que acontece a todo momento. Então se o cérebro direcionar a atenção para o negativo o tempo inteiro, limitamos e empobrecemos a nossa experiência. E desta forma, não há felicidade que resista. Até porque o negativo não nos chama atenção apenas quando acontece. A antecipação sobre as coisas ruins que podem acontecer é uma das maiores causas de depressão e ansiedade. É o famoso sofrer por antecedência.
E porque pensamos mais no negativo do que no positivo, acreditamos que coisas ruins tem mais probabilidade de acontecer. Confundimos a probabilidade dos eventos com a presença deles na nossa imaginação. O que pode dar errado entra com mais peso na nossa conta. Erramos na avaliação de risco e nos tornamos irracionalmente cautelosos. Não tentamos algo que nos faria feliz por medo de falhar. Acreditamos mais em notícias ruins do que em notícias boas. Ficamos desmotivados para encarar um novo projeto porque focamos nas coisas que temos que abdicar para alcançar novas metas.
Tomando as rédeas da felicidade
De acordo com as pesquisas, os eventos negativos têm em média 2 a 3 vezes a intensidade emocional de eventos positivos de importância similar. Por isso, para quem tem o intuito de ser mais feliz, Baumeister sugere a Regra dos Quatro. Compense cada briga com quatro momentos agradáveis, e cada crítica, com quatro elogios.
Uma segunda estratégia com respaldo científico — e que também costuma ser desvalorizada por sua simplicidade — é a prática da gratidão. O diário da gratidão é uma das atividades com melhor custo-benefício quando o assunto é bem-estar. Basta escrever diariamente 3 coisas pelas quais você é grato e porque você é grato por elas. Pesquisas sugerem que a prática nos deixa mais atentos ao que temos de bom hoje, reduzindo a tendência de adaptação e o viés negativo também. Além de mais otimismo, manter um diário de gratidão por três meses ajudou voluntários a construir relacionamentos mais fortes, lidar com adversidades, aumentar a frequência das emoções positivas, dormir melhor, fazer mais exercícios, aumentar a imunidade, melhorar a saúde mental e claro, tornarem-se naturalmente mais gratos.
Outra forma de aumentar os níveis de felicidade é estar mais atento aos automatismos. Quando conhecemos a natureza dos nossos pensamentos e desejos automáticos, temos mais chances de tomar as rédeas dos nossos comportamentos. Escolhendo, por exemplo, aquilo que nos faz feliz em vez do que nos ajudou a sobreviver em um passado remoto. Como recurso, considere a meditação. A meditação traz um distanciamento emocional com relação à nossa experiência, e isso é suficiente para que consigamos escolher melhor as nossas ações. A terapia e a escrita são outros recursos que ajudam a conhecer e colocar os pensamentos em xeque.
Felicidade dá trabalho
Certamente sabemos, ou já ouvimos falar, sobre as escolhas que podem trazer felicidade. Sabemos que a felicidade é sobre aproveitar o que já temos, sobre ter tempo para relacionamentos saudáveis, sobre fazer o que amamos, sobre descobrir que o significado da vida está além da nossa própria. Mas saber muda pouca coisa, porque na prática é difícil agir assim. Felicidade dá trabalho porque ela não é intuitiva. Não fomos programados para sermos felizes. É preciso contrariar nossos automatismos, tarefa das mais difíceis. E mesmo que continuemos a ser governados por nossas heranças evolutivas, cada passo no sentido de mais felicidade vale a pena. Vale a pena treinar a gratidão e aprender a meditar. Vale a pena escrever e ter como norte a Regra dos Quatro. Para ser mais feliz vale a pena inclusive fazer terapia.
*Por: Adriana Drulla é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.
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*Fonte: vidasimples
7 emoções humanas do passado que já não sentimos mais
Tendemos a pensar que as deginições das emoções são fixas e universais. Porém, variam de país a país e também mudam com o tempo.
Considere, por exemplo, a palavra schadenfreude, que só existe em alemão e que descreve o desfrute da desgraça alheia.
Além disso, novos tipos de emoções surgem a todo momento – vide as novidades constantes nos emoticons, que tanto usamos para expressar nossos sentimentos.
A BBC Radio 3 conversou com Sarah Chaney, especialista do Centro para a História das Emoções, no Reino Unido, sobre as emoções do passado e como elas podem nos ajudar a entender como nos sentimos hoje.
Essas são algumas delas.
1 – Acédia
A acédia era uma emoção sentida por homens muito específicos na Idade Média: monges que viviam em monastérios. Esta emoção surgia, em geral, devido a uma crise espiritual. Quem era acometido pela acédia sentia inquietação, desânimo, apatia e, sobre tudo, um forte desejo de abandonar a vida santa.
“É possível que, hoje em dia, isso seja catalogado como depressão”, explica Chaney. “Mas a acédia estava especificamente associada a uma crise espiritual e à vida no monastério.”
Certamente, era uma fonte de preocupação para os abades, que ficavam desesperados com a indolência que acompanhava a acédia.
Com o passar do tempo, o termo “acédia” foi se tornando intercambiável com “preguiça”, um dos sete pecados capitais.
2 – Frenesi
“Esta é outra emoção medieval”, diz Chaney. “É como a ira, mas é mais específica que a ira – da forma que a compreendemos hoje. Alguém que sentia frenesi ficava muito agitado. Tinha ataques violentos de fúria, fazendo birra e muito barulho.”
Assim, era impossível sentir frenesi e ficar quieto.
Esta emoção não faz refletir sobre nossa tendência atual a ver as emoções como algo essencialmente interno, que podemos esconder. Isso era algo que não ocorria com o frenesi, que tinha manifestações exteriores.
Muitas emoções estão ligadas a um tempo e um lugar, e não aparecem mais hoje em dia.
3 – Melancolia
Melancolia é uma palavra que usamos para descrever uma espécie de tristeza calma, ou um estado contemplativo.
“Mas, no passado, a melancolia era diferente”, assinala Chaney. “No começo da era moderna, acreditava-se que a melancolia era uma aflição física, caracterizada pelo temor.”
Até o século 16, pensava-se que a saúde era afetada pelo equilíbrio de quatro fluidos corporais: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra. A melancolia aparecia quando a pessoa tinha muita bílis negra.
“Um dos sintomas da melancolia naquela época era o medo. Em alguns casos, as pessoas tinham pavor de se mover, porque pensavam que eram feitas de cristal, que poderia se romper”, conta Chaney.
O rei Carlos 4º, da França, sofria de melancolia. E, por isso, havia determinado que costurassem barras de ferro em sua roupa, de modo a evitar que se machucasse de forma acidental.
4 – Nostalgia
Esta é outra emoção que você pode, à primeira vista, acreditar que já conhece. Mas “usamos a palavra ‘nostalgia’ de maneira muito frequente nas conversas de hoje em dia – quando começou a ser usada se referia a algo que se pensava ser uma enfermidade física”, afirma Chaney.
“Era uma doença de marinheiros do século 18. Algo que sentiam quando estavam muito longe de casa. E estava ligada ao desejo de regressar.”
Um caso grave de nostalgia poderia até levar à morte. Assim, não se compara com nossa definição atual de nostagia, que descreve a saudade de bons tempos passados.
5 – Neurose de guerra
Essa era uma emoção sentida pelos soldados que lutaram nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial.
Assim como a melancolia, a nostagia e outras experiências emotivas ao longo da história, a neurose de guerra já chegou a ser considerada uma doença.
“As pessoas que sentiam neurose de guerra tinham espasmos estranhos. E, com frequência, perdiam a capacidade de ver e escutar – embora não tivessem nenhum problema físico que limitasse visão e audição”, explica Chaney.
“No começo da guerra, pensava-se que esses sintomas decorriam das explosões que haviam sacudido o cérebro. Porém, mais tarde, acreditou-se que os sintomas eram provocados pelas experiências que o paciente havia vivido e seu estado emocional”, acrescenta a especialista. Seria algo mais próximo do que hoje se entende como o estresse pós-traumático sofrido por soldados que regressam da batalha.
6 – Hipocondria
A hipocondria era outra condição médica que, no século 19, havia adquirido associações puramente emocionais. “Era basicamente a versão masculina do que os médicos vitorianos chamavam de histeria”, fala Chaney.
“Acreditava-se que provocava cansaço, dor e problemas digestivos. Nos séculos 17 e 18, pensava-se que a hipocondria estivesse ligada ao baço. Mais tarde, porém, foi associada aos nervos.”
Apesar de os sintomas serem físicos, eram a mente e as emoções que estavam doentes, segundo as concepções da época.
7 – Demência moral
O termo “demência moral” foi cunhado pelo médico James Cowles Prichard, em 1835. “Efetivamente, significa ‘loucura moral’, porque por muito tempo a palavra ‘moral’ significou ‘psicológica’, ‘emocional’ e também ‘moral’ no sentido que usamos agora”, explica Chaney. Assim, seria como uma demência psicológica.
Os pacientes que Prichard considerava “dementes moralmente” eram aqueles que atuavam de forma errática ou pouco usual, sem mostrar sintomas de uma desordem mental.
“Ele sentia que havia um grande número de pacientes que podiam funcionar como qualquer outra pessoa, mas que não podiam controlar suas emoções, ou cometiam crimes de forma inesperada.”
A cleptomania, por exemplo, em mulheres educadas da alta sociedade, podia ser vista como um sinal de demência moral porque eram mulheres que não teriam motivos para roubar. Era um termo que servia para descrever muitas emoções extremas e se aplicava com frequência a crianças “difíceis”.
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*Fonte: bbc-português