O que influencers sacrificam pela fama — e o que ganham com isso

O que pode acontecer por trás da vida aparentemente idílica de um “influenciador” de sucesso?

A maquiadora americana Michelle Phan tem a resposta. Ela conta que teve que parar de fazer seus populares vídeos de maquiagem e beleza no YouTube porque estava “exausta”.

Mas não era só isso.

“Tornou-se cada vez mais difícil para mim fingir que era feliz”, diz ela. “E (como resultado) me tornei uma pessoa tóxica, tanto nos meus relacionamentos quanto nas minhas amizades. Tinha chegado ao meu limite.”

Phan, de 34 anos, faz alusão aos anos de 2017 a 2019, quando decidiu dar uma pausa na postagem de seus vídeos tutoriais.

Ela alega que precisava se liberar da pressão constante de caçar mais e mais visualizações e curtidas produzindo conteúdo novo.

Hoje seu canal homônimo no YouTube tem 8,84 milhões de assinantes em todo o mundo, e Phan, baseada em Los Angeles, orienta e apoia outras pessoas que estão fazendo vídeos para as redes sociais.

Ela diz que muitos se sentem estressados com a falta de ideias e compelidos a produzir conteúdos novos várias vezes por dia.

Mas quem são exatamente os chamados “influencers”?

Não existe uma definição rígida, mas em essência é alguém que tem seguidores suficientes nas redes sociais, mais especificamente no YouTube, Instagram ou TikTok, e que pode fazer dinheiro com isso.

A receita vem de duas fontes principais — uma parcela da receita de publicidade gerada por seu próprio conteúdo e contratos com empresas para promover suas marcas.

Em relação ao primeiro, no YouTube, qualquer um pode se inscrever para começar a receber uma parte das receitas dos anúncios veiculados em seus vídeos, desde que tenha mais de mil assinantes e 4 mil horas assistidas.

A plataforma de vídeo não divulga quanto paga, mas, segundo fontes do mercado, o valor varia entre US$ 3 a US$ 5 (R$ 16 a R$ 26) por cada mil visualizações.

E, quando se trata de acordos com marcas, o que importa, mesmo, além do conteúdo, é o número de seguidores, claro.

No Instagram, se você tiver mais de 1 milhão de seguidores, é possível ganhar mais de US$ 10 mil (R$ 52 mil) por apenas uma postagem promovendo determinado produto.

A BBC conversou com Phan e quatro outros influenciadores sobre suas experiências.

Embora a possibilidade de ganhar muito dinheiro seja alta, Phan diz que os criadores de conteúdo “precisam determinar seus próprios limites e cuidar de si mesmos”, em vez de postar o tempo todo.

Essa preocupação é repetida pela analista de mídia Rebecca McGrath, da empresa de pesquisas Mintel.

Segundo ela, alguns influenciadores, no afã de ganhar dinheiro fácil e rápido, postam “mesmo que não tenham nada de novo para criar ou dizer”.

Phan também adverte que é preciso ter estômago de ferro para lidar com os trolls online “escrevendo coisas horríveis sobre seus vídeos”.

“Você também está exposto a comentários odiosos, para os quais acho que as pessoas não estão preparadas”, diz.

Esse foi o ponto levantado em julho pela influenciadora britânica Em Sheldon, quando falou para parlamentares na Câmara dos Comuns (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil).

Um comitê de parlamentares continua investigando o crescimento da cultura de influenciadores.

Nesse contexto, o TikTok é a ‘bola da vez’ entre os grandes sites de mídia social — estando disponível apenas fora da China desde 2018. Com mais de 1 bilhão de usuários ao redor do mundo, a plataforma é sinônimo de sucesso entre gerações mais jovens: passa-se mais tempo ali do que no YouTube, por exemplo.

Os irmãos Colin e Dylan McFarland, e seu pai Dan, produzem esquetes cômicos e danças para o aplicativo de vídeo desde 2019.

Conhecido como The McFarlands, o trio de Louisville, no Estado americano do Kentucky, agora tem 2,6 milhões de seguidores no TikTok.

“Os influenciadores são uma nova onda de pessoas em quem você pode confiar na Internet”, diz Colin, de 27 anos.

“Se você está vendendo um produto ou dando conselhos, as pessoas vão confiar nas pessoas que veem em seus telefones todos os dias.”

Dylan, de 25 anos, acrescenta que seu humor fez com que marcas como Colgate e Gillette “quisessem trabalhar conosco, e ver o que poderíamos fazer, porque estamos genuinamente agindo como somos com nossa família”.

Nos últimos dois anos, o dinheiro que ganharam permitiu que os dois irmãos abandonassem seus empregos diários, comprassem casas e até investissem em outras propriedades.

“Acredito sinceramente que qualquer um pode fazer isso”, diz Colin, que começou editando os vídeos em seu iPhone. “Basta encontrar o seu nicho e mantê-lo.”

Morador de Toronto, o youtuber Kevin Parry leva uma boa vida fazendo vídeos de animação stop-motion para seus 936 mil assinantes e outros espectadores.

Em seu primeiro ano, ele alega ter faturado mais de 100 mil dólares canadenses (R$ 412 mil).

Parry, de 32 anos, que já trabalhou com Disney, Apple, Amazon e Lego, diz que 90% de sua receita vêm de contratos publicitários. Os 10% restantes vêm da publicidade do seu próprio canal e de uma agência que reivindica receitas de pessoas roubando e monetizando seu conteúdo.

Ele adverte os possíveis influenciadores a não compartilhar muito de sua vida pessoal.

“Se as pessoas não gostam de um vídeo que fiz, pelo menos isso é apenas um trabalho criativo, e posso tentar melhorar nessa habilidade, em vez de compartilhar minha vida e as pessoas não gostarem”, diz ele.

“Como você compensa e conserta isso? Não dá.”

Parry aconselha os criadores a aprimorarem um conjunto de habilidades específicas, como produção de filmes ou carpintaria, e compartilhar essa paixão, em vez de falar sobre sua vida cotidiana.

A autora Shan Boodram tem falado sobre sexo e questões de relacionamento em seu canal do YouTube, Shan Boody, desde 2012. Ela tem 664 mil assinantes e seus vídeos foram assistidos mais de 71 milhões de vezes.

Boody diz que os novos youtubers devem reconhecer se estão em uma situação ruim, e não criar conteúdo, se for o caso. E em relação ao que postar, ela tem uma regra de ouro: “Pense na última pessoa que você gostaria de ver primeiro esse conteúdo.

Apesar das desvantagens de ser um influenciador — a necessidade de sempre postar mais vídeos ou comentários, sem falar no provável abuso online — muitas pessoas gostariam de ser um. Pode ser uma maneira divertida e lucrativa de ganhar a vida.

Ainda assim, o psicólogo Stuart Duff, da consultoria de psicologia empresarial Pearn Kandola, adverte que você precisa de uma certa personalidade para esperar ter sucesso nisso.

“É claro que há uma grande diversidade de influenciadores de sucesso, em termos de estilo e personalidade, mas para ser realmente bem sucedido, o influenciador usará uma grande dose de psicologia para influenciar seus seguidores”, diz ele.

“Eles precisam ser altamente relacionáveis, contar ótimas histórias, ter uma marca forte e única e se manter fiéis à mensagem. Também não pode faltar paixão pelo que querem dizer e parecem sempre saber o que seu público quer ouvir.”

Phan começou a postar vídeos no YouTube em 2007 e, em grande parte graças ao seu sucesso, ela agora possui e dirige sua própria empresa multimilionária, a EM Cosmetics.

“Se você é um bom contador de histórias, você pode ter uma legião de seguidores e mudar sua vida”, diz ela.

*Por Kathryn Kyte
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*Fonte: bbc-brasil

Desconfie da sua memória; entenda por que ela muda com o tempo

Sua memória provavelmente não é tão boa quanto você pensa que é. Nós confiamos em nossas memórias não só para contar histórias para amigos e para aprender a partir de nossas experiências passadas, mas também as usamos para coisas cruciais como criar um senso de identidade pessoal. Contudo, há provas de que a nossa memória não é tão consistente quanto nós gostaríamos de acreditar. O pior é que nós frequentemente somos os culpados por mudar fatos ou adicionar detalhes falsos a nossas memórias sem ao menos percebermos.

Para compreender um pouco como a lembrança funciona, pense na brincadeira do “telefone sem fio”. No jogo, uma pessoa cochicha uma mensagem para a pessoa a seu lado, que a passa para a próxima pessoa da fila, e assim por diante. A cada vez que a mensagem é retransmitida, algumas partes podem não ser ouvidas direito ou podem ser mal compreendidas; outras podem ser alteradas sem querer, melhoradas ou esquecidas. Com o tempo, a pessoa pode se tornar muito diferente da original.

O mesmo pode acontecer com as nossas memórias. Há incontáveis razões pelas quais minúsculos erros ou retoques podem acontecer a cada vez que nós rememoramos eventos passados, variando entre o que nós acreditamos ser verdade ou queríamos que fosse verdade, ou então o que queremos que aquela pessoa pense. E sempre que essas falhas acontecem, podem haver efeitos de longo prazo na forma com que nós recordaremos aquela memória no futuro.

Pense, por exemplo, no contar de histórias. Quando descrevemos nossas memórias a outras pessoas, usamos licença poética para contar a história de forma diferente, a depender de quem está ouvindo. Nós possivelmente nos perguntamos se é essencial ir direto aos fatos, ou se nós simplesmente queremos fazer o interlocutor rir. E nós podemos mudar detalhes da história dependendo das atitudes do ouvinte ou da sua inclinação política. Pesquisas mostram que, quando nós descrevemos nossas memórias de modo distinto a distintos públicos, não é só a mensagem que se altera, mas sim, às vezes, a própria memória. Isso é conhecido como “efeito de ajuste ao público”.

Em um estudo sobre o efeito de ajuste ao público, participantes assistiram a um vídeo de uma briga de bar. No vídeo, dois homens embriagados entram em confronto físico depois que um homem discute com seu amigo, e o outro vê seu time de futebol favorito perder uma partida. Posteriormente, os participantes tinham que contar a um desconhecido o que tinham visto.

Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos. A um grupo foi dito que o desconhecido não gostava de um dos caras que brigam no vídeo. Ao outro, disseram que o desconhecido gostava do mesmo sujeito. Claro que essa informação adicional moldou a forma com que as pessoas descreveram o vídeo ao desconhecido. Os participantes davam mais detalhes negativos sobre o comportamento do homem que brigou se eles acreditavam que o desconhecido não gostava dele.

O mais importante, porém, é que a maneira com que as pessoas contaram a história afetou depois o jeito com que lembraram o comportamento do cara da briga. Quando os participantes tentaram posteriormente lembrar a briga de um modo neutro, sem viés, os dois grupos ainda apresentavam detalhes diferentes do que ocorreu, espelhando a atitude da sua plateia original. Até certo ponto, suas narrativas se tornaram suas memórias.

Resultados como esses nos mostram como nossas memórias podem mudar espontaneamente com o passar do tempo, como um produto de como, quando e por que nós as acessamos. Na verdade, às vezes simplesmente o ato de repetir uma memória pode ser justamente o que a faz suscetível à mudança. Isso é conhecido como “sugestionabilidade aprimorada para recuperação”.

Em um típico estudo desse efeito, participantes assistiram a um filme de curta duração e, poucos dias depois, fizeram um teste de memória. Mas, durante esses dias entre assistirem ao filme e fazerem o teste final, duas outras coisas aconteceram. Primeiro, metade dos participantes fez um teste de memória para treinar. Segundo, todos os participantes receberam para ler uma descrição do filme que continha alguns detalhes falsos.

O objetivo desses estudos era ver quantos detalhes falsos as pessoas acabariam reproduzindo no teste de memória final. Centenas de estudos já mostram que as pessoas vão involuntariamente adicionar detalhes falsos como esses às suas memórias. Mas esses estudos descobriram algo ainda mais fascinante. Participantes que fizeram um teste de memória para treinar um pouco antes de ler as informações falsas eram mais propensos a reproduzir essas informações falsas no teste final de memória. Nesse caso, a prática leva à imperfeição.

Como pode isso? Uma teoria é que repetir nossas memórias de eventos passados pode temporariamente fazer com que aquelas memórias fiquem maleáveis. Em outras palavras, recuperar uma memória pode ser meio como tirar um sorvete do freezer e deixá-lo diretamente exposto à luz solar por um tempo. Quando a nossa memória voltar ao freezer, poderá ter se tornado naturalmente um pouco deformada, especialmente se alguém se intrometeu nela nesse meio-tempo.

Essas descobertas nos ensinam muito sobre como nossas memórias são formadas e armazenadas. E podem nos levar a imaginar quanto nossas memórias mais preciosas mudaram desde a primeiríssima vez que nos lembramos delas.

Ou talvez não. No fim das contas, minha pesquisa com outros colegas mostra que as pessoas em geral realmente não desejam investir tempo e esforço para checar a precisão de suas memórias. Mas, quer você descubra quer não qualquer pequena ou grande mudança que ocorreu, é improvável que a sua preciosa memória seja 100% precisa. Lembrar é sobretudo um ato de narrar uma história. E nossas memórias são somente tão confiáveis quanto a história mais recente que contamos a nós mesmos.

* Por Robert Nash – professor sênior de Psicologia na Aston University (Inglaterra). O artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation.
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*Fonte: revistagalileu