Doação bilionária à causa ambiental

Antes de mais nada, houve surpresa geral. Yvon Chouinard, dono da marca Patagonia, entregou todas as ações da empresa avaliada em nada menos que 3 bilhões de dólares e, além disso, com lucro anual de cerca de US$ 100 milhões, para lutar contra as mudanças climáticas e proteger áreas naturais. Um doação bilionária. A notícia foi manchete em todo o mundo. O icônico New York Times publicou Billionaire No More: Patagonia Founder Gives Away the Company. Ou seja, Ex-bilionário, Fundador da Patagonia doa a empresa, em 14 de setembro de 2022.

A doação de Yvon Chouinard, segundo o New York Times
‘Em vez de vender a empresa ou torná-la pública, Chouinard, sua esposa e dois filhos transferiram a propriedade da Patagonia, avaliada em cerca de US$ 3 bilhões. A doação foi para um fundo e uma ONG, criados para preservar a independência da empresa garantindo que seus lucros serão usados ​​para combater as mudanças climáticas e proteger terras não desenvolvidas em todo o mundo.’

Aos 83 anos, Chouinard deu uma entrevista ao NYT: “Esperamos que isso influencie uma nova forma de capitalismo que não produza apenas algumas pessoas ricas e um monte de pessoas pobres. Vamos doar o máximo para as pessoas que trabalham para salvar o planeta.”

‘A Terra é agora nosso único acionista’
O ex-bilionário publicou uma carta-aberta no site da empresa, cujo título copiamos acima, onde diz: ‘Eu nunca quis ser um empresário. Comecei como artesão, fazendo equipamentos de escalada para meus amigos e para mim, depois entrei no vestuário.’

‘À medida que começamos a testemunhar a extensão do aquecimento global e da destruição ecológica, e nossa própria contribuição, a Patagonia se comprometeu a usar a empresa para mudar a forma como os negócios eram feitos.’

…Começamos com nossos produtos, utilizando materiais que causavam menos danos ao meio ambiente. Doamos 1% das vendas a cada ano…Embora estejamos fazendo o nosso melhor para enfrentar a crise ambiental, não é suficiente…Precisávamos encontrar uma maneira de investir mais dinheiro no combate à crise, mantendo intactos os valores da empresa.’

Então, entre vender a empresa e correr o risco do novo proprietário ‘não manter nossos valores’, diz, optou pelo doação.

Como a Patagonia vai funcionar?
É Yvon quem responde: ‘Funciona assim: 100% do capital votante é transferido para o Patagonia Purpose Trust, criado para proteger os valores da empresa. Enquanto isso, 100% das ações sem direito a voto foram doadas ao Holdfast Collective, organização sem fins lucrativos dedicada a combater a crise ambiental e defender a natureza.’

‘O financiamento virá da Patagônia. A cada ano, o dinheiro que ganhamos após o reinvestimento no negócio será distribuído como dividendo para ajudar a combater a crise.’

E conclui: ‘Apesar de sua imensidão, os recursos da Terra não são infinitos e está claro que ultrapassamos seus limites. Mas também é resistente. Podemos salvar nosso planeta se nos comprometermos com isso.’

Ou seja, foi um ato de amor ao planeta, e ao mesmo tempo, de imenso desapego. O New York Times explica que ‘o fundo será supervisionado por membros da família e seus conselheiros mais próximos.’ E ‘visa garantir que a Patagonia cumpra seu compromisso de administrar um negócio socialmente responsável e doar seus lucros.’

Doação bilionária custou US$ 17 mi em impostos
Só em impostos pela doação, informa o NYT, ‘a família pagará cerca de US$ 17,5 milhões em impostos sobre o presente.’ E diz também que ‘a família não recebeu nenhum benefício fiscal por sua doação.

O NYT diz ainda que ‘Ao doar a maior parte de seus bens durante a vida, os Chouinards – Yvon, sua esposa Malinda e seus dois filhos, Fletcher e Claire, ambos na casa dos 40 anos – se estabeleceram como uma das famílias mais caridosas do país.’

Que o ato de desapego da família gere muitos frutos.

*Por João Lara Mesquita
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*Fonte: marsemfim

Por que a MTV Brasil chegou ao fim: uma explicação do vice-presidente Zico Goes

A MTV Brasil, na versão do Grupo Abril, esteve no ar entre os anos de 1990 e 2013. A decisão de dar fim à emissora não chegou a surpreender tanto, devido à progressiva queda de popularidade do canal, mas as razões que explicam tal medida são um tanto curiosas.

Em agosto de 2014, cerca de um ano depois do fim da MTV Brasil, Zico Goes, que foi vice-presidente de programação e conteúdo do canal por anos, realizou uma palestra ao evento CreativeMornings. Por lá, o profissional explicou todas as circunstâncias que levaram ao fim da emissora. As falas foram transcritas por IgorMiranda.com.br.

Vale destacar que a MTV ainda existe no Brasil, mas é totalmente diferente da que esteve no ar no passado. Em 2013, a Abril devolveu a marca à sua dona, a Viacom, que passou a produzir outro tipo de conteúdo.

Fim do videoclipe
Em sua apresentação, Zico Goes, que trabalhou na MTV Brasil durante boa parte da existência do canal, contou que todo o projeto relacionado à emissora era problemático. Os primeiros anos foram muito complicados, pois a audiência era baixa e muito segmentada.

O executivo reconhece, porém, que esse era o charme da MTV – e quando os índices de audiência começaram a subir, a emissora pagou o preço por isso.

“Boa parte do que são as causas da MTV têm a ver com o próprio sucesso. A MTV fez sucesso durante um tempo e pagou o preço desse sucesso por causa da dinâmica do mercado de televisão.”

Os problemas começaram a surgir em 2007, quando, justamente, a emissora abriu mão dos videoclipes. Parecia um caminho óbvio, pois, segundo Zico Goes, música não dá audiência na televisão.

“A partir de 2007, assumimos o fim do ‘Disk MTV’ e a morte do videoclipe. A MTV já percebia que o videoclipe não dá audiência. É natural que seja assim. Música não dá audiência em TV. […] Sempre que alguém cria um programa de variedades, colocam uma banda para encerrar e a audiência sempre cai quando começam a tocar.”

Só que, segundo ele, a decisão não parece ter sido tomada no momento certo, ou da forma devida.

“TV não é o melhor lugar para música e a MTV talvez tenha chegado a essa conclusão tarde demais. Foi polêmico. Queríamos dizer que não queríamos ter uma TV de clipe, mas, sim, uma TV de música, o que também envolve o que não está no videoclipe. Queríamos criar, desenvolver talentos. O clipe não era feito por nós, então, queríamos balancear. Naturalmente, perdemos um pouco a mão, pois rompemos demais, queríamos mais Ibope, mais sucesso.”


Problemas com a internet

Na mesma época, a MTV Brasil deu início a um projeto de tom mais transmidiático, em que conteúdos exclusivos seriam disponibilizados na internet. A emissora trabalhava com o mundo virtual em várias de suas atrações, incluindo chats e votações na web em programas ao vivo, mas também houve um momento em que a emissora “perdeu a mão” nesse sentido.

“Nunca tivemos problema com a internet, não achávamos que seria vilã. Sempre usamos a interatividade. Mas lá fora, a MTV começou a ratear, porque embora fosse um canal moderno, perdeu o passo da internet. Não conseguiu acompanhar. Houve um momento em que o MySpace (rede social) foi oferecido à MTV na gringa, mas a MTV não quis, não sabia o que era uma rede social.”

O executivo apontou que o lançamento do portal MTV Overdrive, que teria conteúdos da emissora que não seriam exibidos na TV – incluindo videoclipes -, foi uma decisão equivocada. O motivo? O site simplesmente não funcionava.

“Nessa ideia de que o videoclipe não era mais um produto televisivo e sim da internet, […] criaram a MTV Overdrive, um site onde todos os videoclipes estariam. O canal de TV era chamado de não-linear, com os programas, às vezes videoclipes, mas a linear, MTV Overdrive, tinha videoclipes. No Brasil, ninguém conseguia acessar. Você chegava nos clientes para tentar vender o comercial, a agência de publicidade não conseguia entrar. Deu tudo errado. Era uma boa intenção, mas chegou tarde e cedo demais ao mesmo tempo, pois no Brasil não engatava.”

Nicho do nicho

Na visão de Zico Goes, o público em si da MTV Brasil também era problemático em termos comerciais. Lidava-se com um nicho, que são os fãs de música – e dentro disso, havia subnichos, devido aos fãs de cada gênero.

“Éramos uma TV nichada para jovens sobre música. Era para poucos. Só que, dentro desse canal, que já era nichado, tinha vários outros nichos da música. Quem não curtia rap, achava uma m*rda assistir programa de rap e pensava a MTV só passava rap. Quem não curtia rock, mesma coisa. Quem tem 15 anos, não vai assistir ao programa de música para mais velhos. E quem é mais velho, vai pensar: ‘pô, é canal de garotada’.”

O diretor aponta que “cada um entendia a MTV de um jeito, pois se relacionava só com um pedaço da MTV”. E isso, em sua visão, “fazia mal” à emissora.

“Quando fizemos aqueles programas de namoro, de auditório, ferrou de vez. Quem curtia só a música, acha que virou uma comédia, uma porcaria, e a MTV começou a sofrer com isso.”

Mais humor, menos música

Como a música ficou em segundo plano, a MTV Brasil passou a investir em programas próprios e muitos deles eram de comédia, gênero que já havia dado certo na emissora com “Hermes e Renato”. Era uma resposta, também, à concorrência que começava a aparecer na TV fechada.

“A partir de 2007, a coisa ficou meio esquizofrênica. O Ibope começou a despencar e o dinheiro começou a fugir porque começou a ter uma mínima concorrência. […] O Multishow começou a levar, a Mix TV por incrível que pareça começou, mesmo sendo só de São Paulo. Atrapalhava a percepção do mercado publicitário.”

Com a aposta no humor, vários talentos foram revelados pela emissora. Um deles, segundo Zico, acabou ficando “maior que a MTV”.

“De 2007 para 2013, aconteceram coisas incríveis. A MTV seguiu lançando novos talentos, ousando. Apareceu esse sujeito que caiu no nosso colo: Marcelo Adnet, que revolucionou a MTV. Dani Calabresa, Tatá Werneck, revolucionaram a MTV. Porém, justamente pelo Adnet ser quem ele é, ele acabou ficando maior que a MTV.”

O retorno em audiência era ótimo, mas o diretor passou a enxergar uma perda de identidade da emissora. Em boa parte deste período, Zico Goes não trabalhava mais para o canal.

“Aconteceu o seguinte: mais humor e menos música. Isso foi muito bom por um lado, pois o Ibope começou a dar sinais de revigoração por esses programas. Só que, de alguma maneira, a MTV começou a perder identidade, e já estava desgastada. Virou a TV do Adnet, do humor, da comédia. Dentro da MTV, quem fazia humor, não falava com quem fazia os musicais e vice-versa. Eles não se aproveitavam uns dos outros.”

Uma curiosidade destacada por Zico: Marcelo Adnet “detesta rock”, o que atrapalhava nessa interconexão entre programas.

“E outra: o Marcelo Adnet detesta rock. Como o cara pode estar na MTV se detesta rock? Mas era o mais brilhante. Talvez a gente não merecia o Adnet, tê-lo por tanto tempo. “Ele pedia mais e mais dinheiro. A MTV começou a pagar. Ele ganhava já como ator global, um salário maior que a Marília Gabriela no GNT, onde trabalhei. Ficávamos amarrados.”

Fator Restart

Um dos pontos mais polêmicos dos anos finais da MTV Brasil foi a relação com a banda Restart, que tinha claro viés pop/adolescente, mas era criticada em nichos por apresentar-se como um grupo de rock – mais especificamente, do subgênero happy rock.

“Outro ponto foi o fator Restart. […] Era uma boy band, nada de mal nisso, mas não tem a ver com música e sim com comportamento. A audiência do ‘Disk MTV’, nosso programa mais pop, era 80% feminina. Já os outros eram masculina. Havia então a piada interna: ‘os meninos gostam de música, as meninas gostam de músico’.”

A presença do Restart se tornou tão massiva na MTV que suas aparições eram frequentes. Era como jogar ainda mais lenha na fogueira dos fãs saudosistas da emissora, que faziam críticas à orientação mais pop da emissora. Ao mesmo tempo, os reflexos em termos publicitários não foram nada bons.

“Essa banda teve tanto marketing que tomou conta da MTV no todo, por toda a programação, não só nos programas como também nos comerciais. O Restart aparecia toda hora, então a MTV passou a ser percebida como um canal muito adolescente. Não é bom ser canal adolescente para o mercado publicitário, pois adolescente não consome tanto quanto alguém um pouco mais velho.”


Fator Sky

Zico Goes apresentou várias boas explicações para o fim da MTV Brasil, porém, na opinião dele, o rompimento com o serviço de TV por assinatura Sky foi “o grande problema”. Em 2008, o canal foi retirado da grade de programação da empresa devido a uma negociação que não deu certo.

“Talvez o grande problema foi o fator Sky. Houve um momento em que o presidente da MTV saiu para tocar outros canais da Abril. O modelo de negócios era o mesmo da MTV: ser distribuído por essas TVs a cabo. Ele disse à Sky que se a empresa quisesse continuar com a MTV, teria de levar esses outros dois canais. O que a Sky falou: ‘um abraço forte para você, tira a MTV já do ar’. Tirou do ar, os canais não entraram e como a Sky era a operadora que mais crescia, a MTV afundava na audiência.”


No fim, licença para “c*g*r”

A atuação inicial de Zico Goes como vice-presidente de programação da MTV Brasil durou de 1998 a 2008 – antes, ele exercia outras funções por lá. Três anos depois, em 2011, o profissional foi convidado para retornar, sob o pretexto de resgatar a identidade da emissora..

“Nos 3 últimos anos, sinal de alerta. A MTV perdia R$ 20 milhões todo ano desde 2008. Voltei para a MTV, pois estava no GNT. Tentei resgatar a identidade da MTV, para ser mais cool, musical, então fizemos a relação: ‘mais Criolo, menos Restart’. O Restart passou a ter toque de recolher: só entrava até às 20h. Depois, era outra TV. Passamos a tocar mais Criolo, mais Emicida, que muitos não conheciam. Resultado? Ibope lá para baixo.”

Era como nadar contra a correnteza: ele afirma que, sem seu conhecimento, o Grupo Abril já havia decidido devolver a marca para a Viacom. O projeto já estava “morto”, ainda que seguisse no ar.

“A Abril já queria se livrar da MTV. Eu não sabia. Voltei achando que queriam recuperar, mas já tinham combinado de devolver para os gringos. Fiquei 3 anos iludido, estava marcado para não dar certo. Fora os boatos de que o canal acabaria, o que espantou o mercado publicitário.”

Foi um dos períodos mais inventivos do canal, segundo o diretor. Havia, em suas palavras, “licença para c*g*r” com diversos experimentos na grade de programação.

“Foi incrível porque, ao mesmo tempo, tínhamos liberdade total, licença para c*g*r. […] Criamos o ‘Comédia ao vivo’, ‘Furo MTV’, ‘Trolalá’ com a Tatá, ‘Rockgol no Morro dos Prazeres’, o último VMB com show dos Racionais que não tocam em lugar nenhum fora da MTV, ‘Último Programa do Mundo’, Wagner Moura com Legião Urbana, ‘Menina Sem Qualidade’.”

A MTV Brasil chegou ao fim, oficialmente, em 30 de setembro de 2013. No dia seguinte, entrou no ar a “nova MTV”, controlada pela Viacom e com linha editorial bem diferente.

“A Viacom não queria a MTV Brasil, pois a Abril pagava royalties para eles. Como eles perderam isso, não queriam saber de nada do que fizemos antes. Fizeram uma programação completamente diferente. Mas conseguimos brincar um pouco com esse fim, chamei os VJs antigos, fizemos uma festa ao vivo no final. A Viacom e a Abril não queriam isso. Queriam que a gente ficasse pianinho, por já estar entregando o canal, e só passasse videoclipe. Falei: ‘que mané videoclipe, vou ter o canal 3 meses para mim, vou fazer o que eu quiser.”

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*Por igormiranda