Living Colour e a vitória sobre o racismo escancarado no Rock and Roll

Na época em que o Hair Metal dominava, a banda de Vernon Reid trouxe uma mistura única de estilos e revolucionou o Rock

No final dos anos 80, o Hair Metal de bandas como Poison e Mötley Crüe dominava as paradas ao lado de outros ícones do Rock como Bon Jovi e tantos outros. A cena era composta majoritariamente de pessoas brancas, até que surgiu o Living Colour.

Com sua formação estabelecida pelo fundador Vernon Reid (guitarra) e contendo o vocalista Corey Glover, o baixista Muzz Skillings e o baterista Will Calhoun, o grupo veio para revolucionar o Rock and Roll e inspirar inúmeros futuros músicos da comunidade negra — como Tom Morello, por exemplo.

Trazendo uma mistura impressionante de Heavy Metal, Funk, Jazz, Hip Hop, Punk, Rock Alternativo, Fusion e tantos outros estilos, é bastante seguro afirma que ninguém na época fazia o que o Living Colour se propôs a fazer. Até hoje, é difícil que alguém consiga sintetizar tantas influências de forma tão precisa e agradável.

Como falou ao The Ringer o ex-empresário da banda, Roger Cramer, a diferença entre eles e o restante dos artistas era muito clara:

O Rock era feito por pessoas brancas naquele momento. Era o auge das bandas de cabeludos. E o Living Colour apareceu e eles poderiam tocar e cantar dando um banho nessas bandas. Mas eles eram negros.

Living Colour e o preconceito no Rock and Roll
O Hair Metal, naturalmente, é associado ao cabelo. Quando você pensa no estilo, o que vem à cabeça quanto ao visual? As madeixas loiras de Sebastian Bach ou mesmo o icônico cabelo de Nikki Sixx, provavelmente.

“[Com o Living Colour] O cabelo era de uma textura diferente,” diz Vernon Reid ao The Ringer.

Pense bem: na época, tirando o ocasional Prince que transitava entre vários estilos, quantos negros você se lembra de serem parte da cena do Rock e Heavy Metal? À época, ícones como Jimi Hendrix eram anomalias sobre-humanas.

Para Calhoun, ainda ao mesmo especial do The Ringer, “uma das coisas mais frustrantes é a ignorância das pessoas que não irão admitir ou lidar com o fato de que as pessoas negras inventaram o Rock and Roll”; o Rock havia sido completamente apropriado.

E a luta do Living Colour para vencer esse aspecto foi enorme. Mesmo tendo na manga o embrião do que seria Vivid (1988), um dos melhores discos de Rock já feitos na história, a banda sofria para arrumar um contrato com uma gravadora.

Com seus shows, a banda impressionou nomes como Mick Jagger e o líder dos Rolling Stones acabou indo a um show dos caras ao lado de Jeff Beck, testemunhando de perto o talento do quarteto que se via influenciado por nomes como o próprio Prince e o icônico Bad Brains.

Acontece que, ainda de acordo com o ex-empresário Cramer à The Ringer, “a indústria musical era escancaradamente racista” na época. Ele relata que tentou vender as músicas de Reid e companhia para todas as gravadoras, que recusaram sob o pretexto de que as canções com pretextos sociais, como a incrível “Funny Vibe” que falava abertamente sobre racismo, não teriam apelo geral.

Não, eu não vou te roubar / Não, eu não vou te bater / Não, eu não vou te estuprar / Então por que você fica querendo me dar essa vibe desconfiada?

A música que mudou tudo
Eventualmente, o grupo conseguiu um acordo com a Epic Records em uma decisão que, obviamente, teve de envolver o nome de Mick Jagger para ser aceita. Algo que não cai bem com Reid, que falou ao The Ringer:

A gente teve que conseguir uma assinatura da pessoa que literalmente personifica o que é o Rock and Roll. O fato de que ele havia ido nos ver, e de ter nos curtido, para nós podermos entrar no fim da fila é uma loucura.

Sem dúvidas, o discurso do guitarrista ecoa o sentimento que se ouve popularmente no Brasil e no mundo de que, para ser aceito da mesma forma que uma pessoa branca, a pessoa negra tem que fazer a mesma coisa duas vezes melhor. E o Living Colour, de fato, fazia.

A história ainda teve mais um capítulo levemente dramático antes de finalmente chegar em um ponto feliz. O lançamento de “Middle Man” — talvez a faixa mais fraca de um excelente álbum — como single para Vivid não colaborou com os caras, que tiveram receptividade fraca.

Mas o segundo single mudou tudo.

Até hoje, “Cult of Personality” é reverenciada como uma das canções mais poderosas do Rock seja pela sua letra que endereça com maestria o “culto da personalidade”, ou seja, a idolatria que unificava nomes como Mahatma Gandhi e Benito Mussolini, ambos citados na canção, ou pelo instrumental absolutamente destoante da época e acima da linha de qualidade em groove, virtuose e peso.

Influência
É uma baita heresia reduzir o icônico Vivid ao seu single mais bem sucedido. Mas é inegável que a canção abriu, à força, as portas que tentaram fechar na cara do Living Colour durante anos.

A música também abriu as portas do Rock para Tom Morello, do Rage Against the Machine, Audioslave e tantos outros. Ainda ao The Ringer, ele disse:

Quando eu ouvi ‘Cult of Personality’ pela primeira vez, eu fiquei absolutamente impactado que claramente haviam outros Afro-Americanos que não tinham vergonha nenhuma de amar o Led Zeppelin e queriam fritar em solos de guitarra. [O disco] abriu as portas para a minha carreira.

O sentimento é compartilhado por Lajon Witherspoon, do Sevendust, que basicamente ecoa o discurso de ter sentido as portas se abrindo para alguém como ele ter um espaço no Rock and Roll.

Os anos seguintes foram conturbados para a banda, que ainda conseguiu algum sucesso no mainstream com o disco Time’s Up (1990) liderado por singles como a ótima “Love Rears Its Ugly Head”.

As tensões internas fizeram com que a banda se dissolvesse pouco após o lançamento de Stain (1993), mas o grupo se reuniu novamente e, desde que lançou Collideøscope (2003), tem se mantido ativa — ainda que com menor frequência.

Living Colour em 2020
O último disco lançado pelo Living Colour até o momento foi Shade (2017), mas em meio aos protestos que envolvem a morte de George Floyd, o guitarrista Vernon Reid reforçou sua indignação compartilhando um novo clipe para “This Is the Life”, que esteve em Time’s Up, composto de cenas das manifestações. Você pode assistir ao vídeo por aqui.

Como vários outros artistas negros ao longo dos anos, o Living Colour acabou ficando em segundo plano até ser redescoberto pela nova geração ao aparecer no game Guitar Hero III: Legends of Rock como uma das canções favoritas do público.

Ainda assim, a banda ainda não conseguiu um espaço no Hall da Fama do Rock and Roll — o que nos parece absolutamente inaceitável. Abaixo, você pode revisitar (ou conhecer) o icônico Vivid na íntegra e tirar suas próprias conclusões.

*Por Felipe Ernani
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*Fonte: tenhomaisdiscosqueamigos

Bubba Wallace é ameaçado de morte após protesto racista, e Nascar abre investigação

Em dia de carreata a favor do uso da bandeira associada ao racismo nos Estados Unidos, uma corda de enforcar é encontrada na garagem da equipe do único piloto negro do circuito

Uma ameaça racista contra o piloto Bubba Wallace fez a Nascar abrir uma investigação no fim deste domingo. Após carreata de um grupo de americanos em favor da bandeira associada por muitos ao racismo e à escravidão nos Estados Unidos, uma corda com laço foi encontrada na garagem da equipe do piloto, uma alusão ao enforcamento, forma cruel como milhares de negros foram assassinados durante o período de segregação racial no país.

A manifestação com muitas bandeiras confederadas aconteceu do lado de fora do circuito de Talladega, no Alabama, onde foi realizada a prova GEICO 500. A Nascar adotou a proibição do uso nos circuitos após Bubba se manifestar semanas atrás em meio aos protestos contra o racismo no mundo.

– O desprezível ato de racismo e ódio de hoje me deixa incrivelmente triste e serve como um lembrete doloroso de quanto mais temos que ir como sociedade e quão persistentes devemos ser na luta contra o racismo. Nada é mais importante e não será dissuadido pelas ações repreensíveis daqueles que procuram espalhar o ódio. Como minha mãe me mandou hoje, “eles estão tentando te assustar”. Isso não vai me quebrar. Eu não vou desistir nem vou recuar. Vou continuar orgulhosamente defendendo o que acredito – declarou Bubba em suas redes sociais.

A Nascar manifestou indignação com o ocorrido e abriu investigação imediata para identificar os responsáveis. De acordo com a CNN, a área de garagem onde a corda com laço foi encontrado é restrita ao pessoal essencial, que inclui equipes de corrida.

– No final da tarde, a NASCAR foi informada de que uma corda com laço foi encontrado na garagem da equipe 43. Estamos angustiados e indignados e não podemos afirmar com força suficiente o quão seriamente levamos esse ato hediondo. Iniciamos uma investigação imediata e faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para identificar a pessoa responsável e eliminá-la do esporte. Não há lugar para o racismo na Nascar, e esse ato apenas fortalece nossa decisão de tornar o esporte aberto e acolhedor a todos – diz a nota oficial da organização.

Muitas atletas manifestaram repúdio e deixaram mensagens de apoio ao único piloto negro da Nascar. Um deles foi Lebron James, astro do Los Angeles Lakers que tem sido um dos principais ativistas esportivos na luta contra o racismo.

– Doentio! Meu irmão Bubba, saiba que você não está sozinho! Estou aqui com você e com todos os outros atletas. Eu só quero continuar dizendo como estou orgulhoso de você por continuar defendendo a mudança aqui na América e no esporte! Nascar, eu também te saúdo.

 

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*Fonte: globoesporte