Muito antes de HARVARD: como surgiram as Escolas e Universidades?

Desde os primeiros grupos sociais da História: Entenda como surgiram as escolas e as universidades ao longo dos séculos

A difusão do conhecimento tem sido uma preocupação humana desde a formação dos primeiros grupos sociais, originalmente por meio da transmissão oral, feita por membros das gerações mais velhas às mais novas; mais tarde, essa tarefa seria delegada a instrutores, que se valeriam de caracteres gráficos ou letras para atingir esse objetivo.

Na China, as primeiras escolas de nível fundamental e superior teriam existido durante as dinastias Xia e Shang (2070-1046 a.C.), conforme escritos do século 2, segundo Ulrich Theobald, professor da Universidade de Tübingen, na Alemanha, embora para muitos estudiosos esse período da história chinesa transite entre o mito e a realidade. No Egito, os escribas mais experientes exerciam o papel de professores.

As chancelarias reais, os comandos militares e os órgãos administrativos dos templos treinavam aprendizes em suas próprias instalações, segundo o historiador Eugen Strouhal. Os alunos — a maioria filhos de escribas — aprendiam a escrever e a ler a escrita hierática e os hieróglifos, utilizando pedaços de cerâmica, papiros ou tabuletas cobertas com gesso.

Kethy, um escriba da 12ª dinastia (1991 1782 a.C.), recomendava a leitura a seu filho: “Aprenda a ler, pois isso lhe trará mais benefícios do que todas as outras habilidades que enumerei…, e seus estudos durarão para sempre, como as montanhas”.

Escolaridade na Índia
Na Índia, durante o período védico (1500 – 800 a.C.), as crianças das castas mais altas começavam a receber educação fundamental em casa. Entre os 8 e os 12 anos, dependendo da casta, os meninos passavam a morar com preceptores, com quem aprendiam os mantras e as regras para a realização de sacrifícios, além de gramática, fonética, prosódia, etimologia e astronomia.

Após doze anos, eles podiam prosseguir seus estudos em centros de ensino superior ou academias filosóficas. Séculos mais tarde, o formalismo e a exclusividade do sistema bramânico — relativo à casta mais elevada —, ensejariam o aparecimento de duas novas religiões: o budismo e o jainismo. Taxila, no atual Paquistão, se situa na confluência de três importantes rotas de comércio que conectavam a Índia ao resto do mundo.

No século 6 a.C., ela sediava a Universidade de Takshashila, o mais antigo centro indiano de aprendizado, onde alunos de várias partes da Ásia estudavam filosofia, línguas, ciência militar, astrologia, astronomia, contabilidade, comércio, agricultura e principalmente medicina. Entre os alunos, havia príncipes, nobres e comerciantes, mas também alfaiates e pescadores.

Com a ascensão do budismo, as atividades de ensino migrariam das casas dos professores para os mosteiros budistas até a destruição da cidade pelos hunos, em 455. Em Atenas, as primeiras referências a escolas surgem no final do século 5 a.C., embora as atividades não estivessem centralizadas em uma instituição.

Os meninos das classes privilegiadas aprendiam a ler e a escrever com um grammatistes, utilizando ponteiros e tabuletas cobertas com cera. Em nível secundário, um grammatikos orientava o estudo das obras de poetas, dramaturgos etc., enquanto os estudantes eram também obrigados a frequentar a escola de lutas, onde faziam exercícios físicos e aprendiam técnicas militares. Os professores supervisionavam tanto o progresso escolar como a formação do caráter dos alunos, na tentativa de cultivar homens “sábios e bons”.

Para a vida política
Um sistema de educação superior emergiria com o surgimento dos sofistas – em sua maioria professores estrangeiros que eram contemporâneos e adversários de Sócrates. Eles introduziriam as palestras públicas, cujo objetivo era preparar os alunos para participarem da vida política, ensinando lhes a arte de construir argumentos lógicos (dialética) e a arte de falar com persuasão (retórica).

No século 4 a.C., os principais tipos da educação grega clássica seriam organizados em termos definitivos, graças aos esforços de Isócrates, que fundaria a sua escola em 390 a.C., e Platão, que abriu a sua Academia por volta de 387 a.C. Aristóteles abriria o seu Lyceum, em 335 a.C. Em Roma, a utilização da escrita desde o século 7 a.C. pressupõe algum tipo de educação primária, enquanto a secundária só se desenvolveria a partir do século 3 a.C.

Os métodos usados pelos professores romanos — grammatici — eram inteiramente baseados no sistema grego, cujo foco era o estudo de autores clássicos e da língua, incluindo exercícios de redação, com muito pouca atenção às ciências. No século 1 a.C., seria introduzido o ensino da retórica, que se tornaria a disciplina mais popular da educação superior. Mais tarde, viria o ensino do direito, cujo desenvolvimento atingiria seu ápice no século 3, por intermédio de uma escola em Roma e outra em Beirute.

Nos séculos 4 e 5, o estudo da medicina em latim torna se possível graças a traduções da literatura médica e veterinária grega; da mesma forma, o político e historiador romano Boethius disponibilizaria o pensamento filosófico grego. Tendo conseguido converter grande parte da sociedade romana e seus dirigentes, o cristianismo assimilaria essa cultura clássica, levando cristãos a atuar como docentes em todos os níveis de ensino, no mesmo século 4 em que se tornara a religião oficial do estado romano.

Em 425, Teodósio II cria um instituto de educação superior para o ensino de letras, retórica, filosofia e direito, em Constantinopla, então a nova capital do império.

Na religião
Em seu tratado De Doctrina Christiana, de 426, Santo Agostinho defende que a compreensão da Bíblia necessitava da gramática, a pregação cristã necessitava da retórica, e a teologia não podia prescindir da filosofia.

Quando as invasões bárbaras varrem as instituições imperiais, incluindo as escolas, a Igreja Católica preserva a tradição cultural helenística que Roma cultivara durante séculos, pois precisava de uma cultura literária para a educação dos seus sacerdotes. Como depositária desses conhecimentos, ela também receberia alunos leigos em suas escolas monásticas e catedrais, construindo a base do ensino superior europeu, entre os séculos 6 e 8.

Na Pérsia do período aquemênida, as crianças das classes superiores frequentavam a escola a partir dos 7 anos, e cursos secundários e superiores preparavam o pessoal para o serviço público, especialmente na área do direito. Entre os séculos 3 e 7, a dinastia Sassânida retoma a ética Zoroastriana, dando fundamentos morais, sociais e nacionais à educação.

Sua grande realização seria a criação, em 271, da Academia de Gondishapur, onde alunos de várias partes do mundo estudavam zoroastrismo, filosofia grega, astronomia, direito, finanças e medicina, entre outras disciplinas. Ela se tornaria o mais importante centro médico do mundo antigo, nos séculos 6 e 7.

Segundo a professora Mehdi Nakosteen, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, foi em parte por meio da Academia de Gondishapur que importantes elementos da cultura greco romana chegaram aos muçulmanos, nos séculos 8 e 9. Posteriormente, por intermédio de traduções de trabalhos árabes para o latim, esses elementos chegariam aos educadores da Europa Ocidental, nos séculos 12 e 13.

Estudos muçulmanos
No mesmo período, estudos acadêmicos do mundo muçulmano, incluindo os do médico, astrônomo e filósofo persa Ibn Sina, ou Avicena, seriam traduzidos para o latim, tornando se fundamentais para as fases iniciais do despertamento intelectual europeu. De volta à Índia, em 427, é fundada a Universidade Nalanda, onde alunos residentes aprendiam as seis maiores correntes do budismo, além de filosofia, gramática, medicina, lógica e matemática.

Acredita se que Aryabhata, o pai da matemática indiana, tenha ali lecionado no século 6. Segundo a professora Anuradha Mitra, ele foi o primeiro a designar o zero como um algarismo, simplificando cálculos matemáticos e auxiliando o desenvolvimento de possibilidades mais complexas, como a álgebra e o cálculo. Aryabhata também escreveria trabalhos sobre a extração de raízes quadradas e cúbicas, e sobre as aplicações de funções trigonométricas na geometria esférica.

Esses trabalhos influenciariam profundamente o desenvolvimento da matemática e da astronomia no sul da Índia e na Península Arábica. Visando contribuir para a propagação dos ensinamentos budistas, Nalanda enviava regularmente professores a países asiáticos, tais como China, Coreia, Japão, Indonésia e Sri Lanka. Em 1193, a universidade seria destruída por exércitos turco afegãos, incluindo a maior parte dos seus 9 milhões de manuscritos em folhas de palma.

Alguns deles seriam salvos do fogo, que teria devastado o campus durante três meses, por monges em fuga, estando hoje em exibição em um museu no Tibete e em outro nos EUA. Outras quatro universidades, fundadas entre o século 7 e o início do século 12, formavam com Nalanda uma rede de centros de ensino soba supervisão do Estado.

Cursos de Bangladesh
Além de estudos sobre o budismo e o hinduísmo, Vikramashila, Odantapuri, Somapura e Jagaddala — as duas últimas localizadas na atual Bangladesh — ofereciam cursos de arthashastra (política, economia e estratégia militar), direito, arte, arquitetura, matemática, filosofia, astronomia, literatura e medicina, entre outros. Enquanto Nalanda, o maior dos centros, oferecia a maioria dos cursos, Vikramashila se especializava em astronomia.

Todos seriam destruídos entre 1193 e 1207. Assim como o hinduísmo, o budismo e o cristianismo estimularam a criação de escolas, o islamismo estabeleceria as madraças – centros que, ligados a mesquitas, ofereciam ensino superior a muçulmanos. Fundada em 737, na atual Tunísia, a madraça de EzZitouna daria origem à universidade de mesmo nome, disponibilizando ensino religioso, literário e científico.

Em Fez, no atual Marrocos, a Universidade de AlQarawiy yin nasceria de uma mesquita construída em 859, sendo considerada pela UNESCO o mais antigo centro de ensino superior continuamente em atividade no mundo, com cursos de doutrina e direito islâmico, língua árabe e outros seculares.

Estudo e sabedoria
Paralelamente a esses centros de estudo, o mundo islâmico contava ainda com bibliotecas públicas e privadas. Desde 830, em Bagdá, no atual Iraque, a Casa da Sabedoria reunia tradutores, cientistas, escritores, copistas e outros profissionais para traduzir textos filosóficos e científicos para várias línguas.

Um deles era o matemático e astrônomo Al Khwarizmi, cujos trabalhos introduziriam os algarismos hindus — que passariam a ser conhecidos como arábicos — e os conceitos de álgebra na Europa. Em 970, no Egito, seria fundada a madraça de Al Azhar, mais tarde transformada em universidade, oferecendo cursos de direito islâmico, teologia e língua árabe. No Japão, a Ashikaga Gakko é considerada a instituição acadêmica mais antiga do país, cujo prédio teria sido construído por volta de 839.

Universidade de Ashikaga Gakko, no Japão – Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons
Embora a maioria dos professores fosse monges budistas, diferentemente de outras instituições da época, a doutrina budista não constava dos cursos que oferecia, pois seus dirigentes acreditavam que ela deveria ser aprendida em templos. Entretanto, alunos de todo o Japão e do arquipélago de Okinawa podiam ali estudar confucionismo, medicina chinesa, I Ching e estratégias militares.

Em 1872, a maioria dos seus prédios foi demolida, restando apenas um, que era usado como escola primária, restaurado pelo Patrimônio Histórico. No sul da Itália, por volta de 900, a Escola de Medicina de Salerno nasce ligada a um velho claustro beneditino. Depois de um século, já livre de influências religiosas, seu corpo docente — formado por dez médicos — oferecia ensino laico a alunos de várias nacionalidades, incluindo um grande número de judeus.

Centro da medicina
Mais tarde, Salerno se transformaria no centro da medicina escolástica greco árabe, dando origem a toda a literatura médica medieval europeia. Em 1221, Frederico II ordenaria que os médicos que desejassem praticar a medicina no Sacro Império Romano Germânico teriam de se submeter a um exame nessa escola, que optaria por não se tornar uma universidade.

No século 11, haveria um renascimento do direito com base no Corpus Juris Civilis, conjunto de obras do direito romano que havia sido publicado pelo imperador Justiniano, entre 529 e 534. Seu estudo tivera início em Pávia, Ravena e Bolonha (onde, por volta de 1076, o jurista Pepus já lecionava direito em caráter secular, levantando suspeitas da Igreja Católica).

Em 1088, seria criada a Universidade de Bolonha, considerada a mais antiga do mundo, conforme os padrões ocidentais, com cursos de direito civil e canônico, que seriam também oferecidos em outras cidades italianas, como Pádua, Roma, Florença, Siena e Turin, entre os séculos 13 e 15. Na França, em algum momento entre os anos 1150 e 1170, escolas ligadas à Catedral de Notre Dame dariam origem à Universidade de Paris, que serviria como modelo para universidades francesas e europeias.

A igreja e a monarquia
Na Inglaterra, desde o século 8, o Convento de Saint Frideswide oferecia estudos religiosos em Oxford; quatro séculos mais tarde, Henrique II reuniria estudiosos nessa cidade para atender às necessidades da administração pública. Em 1167, ele proibiria que alunos ingleses frequentassem a Universidade de Paris, promovendo o rápido desenvolvimento da Universidade de Oxford, que ocuparia as instalações de Saint Frideswide e da Abadia de Osney.

Durante os séculos 13 e 14, a difícil convivência entre moradores e estudantes de Oxford geraria violentos distúrbios e mortes. Diante desse surreal ambiente estudantil, em 1209, um grupo de alunos decide migrar para o nordeste, fixando se em um antigo entreposto comercial romano próximo ao Rio Cam, onde surgiria a Universidade de Cambridge.

Em 1218, a Universidade de Salamanca seria criada na Espanha; na Itália, um grupo de professores e alunos de Bolonha em busca de maior liberdade acadêmica fundaria, em 1222, a Universidade de Pádua, que, a partir de 1405, contaria com o apoio da República de Veneza; em 1224, nasceria a Universidade de Nápoles.

Nas Américas
No Novo Mundo, em maio de 1551, a coroa espanhola criaria a Universidade de São Marcos, a primeira instituição de ensino superior das Américas, com base em escola que havia sido fundada pela Ordem Dominicana, na Basílica de Santo Domingo, em Lima, Peru, contando com três faculdades: Teologia, Direito e Artes.

Em setembro do mesmo ano, seria criada a Imperial e Real Universidade do México, com cinco faculdades: Teologia, Direito Canônico, Direito Civil, Medicina e Artes, voltadas para um público formado por espanhóis, crioulos e uma minoria de indígenas nobres, já que, a maioria escravizada era evangelizada nas igrejas através de danças, teatro e música.

Mais ao norte, os administradores da colônia inglesa de Massachussetts Bay decidem fundar uma instituição de nível superior, em 1636 — a primeira criada nas 13 colônias que se transformariam nos Estados Unidos da América.

Em 1638, ela receberia 800 libras e 400 livros, deixados em testamento pelo pastor inglês John Harvard, um ex-aluno da Universidade de Cambridge. Nesse mesmo ano, a pequena cidade de New Towne, onde a instituição estava localizada, tem seu nome alterado para Cambridge; em 1639, a administração colonial decide alterar o nome da nova escola para Universidade Harvard, em gratidão ao seu primeiro grande benfeitor.

No Brasil, os jesuítas ministram o primeiro Curso de Filosofia, em nível superior, em 1572, no Colégio da Bahia, disponibilizando o, mais tarde, em São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda, Recife, Maranhão e Pará; em 1726, eles fundariam uma faculdade de matemática também na Bahia.

Mais universidades
Quebrando o paradigma luso brasileiro, o Seminário de Olinda, fundado em 1798, oferecia cursos de física, química, mineralogia e botânica, entre outros. Com a vinda da corte portuguesa para o país, duas escolas de medicina são estabelecidas: uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro. Após a independência, seriam criados os primeiros cursos de direito no país, em São Paulo e Olinda, em 1827.

Em 1909, a Escola Universitária Livre de Manáos ministrava cursos de engenharia civil, agrimensura, agronomia, direito, ciências farmacêuticas e medicina, entre outros, mas somente em 1913 passaria a ser chamada de Universidade de Manaus, um ano depois da fundação da Universidade do Paraná.

Em 1920, é criada a Universidade do Rio de Janeiro, reunindo as escolas de engenharia, medicina e direito, voltada mais ao ensino das elites do que à pesquisa, segundo a socióloga Arabela Oliven. As três disputam o título de universidade brasileira mais antiga, enquanto a Universidade de São Paulo — a mais bem avaliada do país pelo Times Higher Education — só seria fundada em 1934.

por Odair Chiconelli
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*Fonte: aventurasnahistoria

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